A obtenção de crédito, portanto, é um dos mecanismos que auxiliam as empresas a resolver problemas financeiros. No entanto, empresas que estão em crise enfrentam sérias dificuldades para obter novos financiamentos. Essas dificuldades são elevadas à enésima potência quando a empresa em crise ajuiza pedido de recuperação judicial.
As variadas formas de crise empresarial possuem um sintoma comum: a crise financeira. Uma empresa em crise financeira passa por problemas atuais ou iminentes de fluxo de caixa, isto é, precisa fazer desembolsos em momento anterior ao ingresso de receitas. Uma das soluções a esse problema consiste em obter-se acesso a dinheiro novo. Toma-se recursos emprestados para pagar as dívidas atuais e financiar a operação da empresa. Após, com o ingresso de recursos, paga-se o empréstimo tomado.
Não é para menos. Uma empresa que ajuíza pedido de recuperação judicial reconhece que não possui recursos suficientes para cumprir suas obrigações. A recuperação judicial funciona como um atestado de incapacidade financeira da empresa. Por essa razão, fornecedores de empresa em recuperação passam a fornecer para a empresa apenas mediante pagamento antecipado. Com efeito, a empresa deixa de financiar-se com seus fornecedores. Mas onde conseguir recursos para pagar fornecedores antecipadamente? A regulação do mercado bancário não facilita aos bancos que forneçam crédito novo a empresas em recuperação judicial. Pelo contrário, de acordo com a Resolução BCB 2.682, de 21 de dezembro de 1999, empresas em recuperação ostentam a pior classificação de risco para operações de crédito bancário (art. 1º, IX, c/c art. 2º, da Res. BCB 2.682/1999). Por conseguinte, os bancos que fornecerem crédito a empresas em recuperação são obrigadas a provisionar a integralidade do valor emprestado (art. 6º da Res. BCB 2.682/1999). Ou seja, a regulação bancária impõe um pesadíssimo ônus aos bancos que poderiam financiar empresas em recuperação judicial, pois, além do valor emprestado à empresa, o banco é obrigado a deixar parado, sem investir, outro tanto. Por esse motivo, a taxa de juros cobrada em operações de financiamento de empresas em recuperação deve ser capaz de remunerar o valor emprestado e mais o valor que não pode ser emprestado por estar provisionado. Com altas taxas de juros, os empréstimos bancários não viabilizam que empresas em crise financeira possam se reestruturar.
A dificuldade de obtenção de crédito faz com que empresas que pretendam pedir recuperação judicial tenham que se financiar com capital próprio. Por essa razão, é comum que empresas que estejam para pedir recuperação cessem pagamentos a seus credores. Ainda que isso possa deteriorar substancialmente a relação com os credores, a medida permite que a empresa acumule caixa para sobreviver ao longo inverno creditício que é a recuperação judicial. A gordura acumulada por empresas em crise, no entanto, pode ser insuficiente para ela passar por um processo de recuperação judicial. Por esse motivo, não são raras as manifestações públicas de advogados de empresas devedoras a atestar que o índice de sucesso de recuperações judiciais aumenta se as empresas anteciparem o início de suas recuperações judiciais, enquanto ainda possuem valor suficiente em caixa.
Ante as restrições creditícias impostas às empresas em recuperação judicial, é fundamental que se desenvolvam mecanismos orientados ao financiamento da empresa em recuperação judicial. Mas como financiar empresas em recuperação judicial?
Nossa Lei de Recuperação de Empresas e Falências foi elaborada tendo como modelo a legislação de direito falimentar norte-americana. Na experiência norte-americana, empresas que se encontram em crise costumam ajuizar pedido de reorganização judicial em conformidade com o Chapter 11 do Bankruptcy Code para ter acesso a novas linhas de crédito. Ou seja, nos EUA, o processo judicial de reorganização de empresas, ao invés de restringir o crédito da empresa em crise, abre novos caminhos para obter-se dinheiro novo.
O mecanismo que viabiliza a abertura de novas linhas de crédito chama-se debtor-in-possession financing ou, simplesmente, DIP Financing, onde a expressão DIP é acrônimo para debtor-in-possession, a significar que a empresa que pede bankruptcy em conformidade com o Chapter 11 continua a administrar e dispor de seus bens ao longo do processo de reorganização. Por esse motivo, por DIP financing designa-se todo o financiamento concedido post-petition de bankruptcy pelo Chapter 11, – isto é, aquele concedido à empresa que protocolou pedido de reorganização judicial.
O financiamento DIP é disciplinado pela Seção 364 do Bankruptcy Code, que estabelece generosos incentivos legais para que financiadores emprestem recursos em operações DIP. A Seção 364 é sugestivamente intitulada “obtaining credit”. Em comum, todas as modalidades de financiamento DIP asseguram aos financiadores prioridade no pagamento em relação aos credores existentes.
Na Seção 364(a), autoriza-se a empresa em reorganização a contrair dívida não garantida, desde que os recursos sejam aplicados no “curso ordinário dos negócios” (ordinary course of business). A Seção 364(b) autoriza a contração de dívida fora do curso ordinário dos negócios. Para tanto, há necessidade de apresentação de um pedido, seguido de uma audiência e de autorização judicial. Em ambos os casos, o incentivo alcançado ao potencial financiador é atribuir a seu crédito o status de “despesa administrativa” (administrative expense), que assegura ao crédito do financiador DIP uma prioridade em relação aos demais credores. Essas duas modalidades de financiamento DIP são pouco utilizadas na prática recuperacional norte-americana, uma vez que consistem em operações de financiamento sem garantias.
As modalidades de financiamento DIP que são utilizadas na prática são as disciplinadas na Seção 364 (c) e (d) do Bankruptcy Code. Nos termos da Seção 364 (c), o juiz pode autorizar que o crédito decorrente de financiamento DIP não garantido tenha prioridade sobre todas as despesas administrativas. Já a Seção 364(d) trata de procedimento denominado “priming”, pelo qual o juiz pode autorizar que a empresa devedora incorra em dívida garantida por bem já onerado, mas que tenha prioridade igual ou superior às garantias anteriores sobre o bem onerado.
Apesar das dificuldades em financiar-se empresas em recuperação judicial no Brasil, a Lei de Recuperação de Empresas e Falências, em linhas gerais, possui regras análogas às adotadas no direito norte-americano. Por que então as empresas brasileiras encontram dificuldades em se financiar em processos de recuperação judicial?
A nossa prática de recuperações judiciais ainda é bastante recente, de modo que não há acúmulo de precedentes que permitam aos financiadores ter certeza se a proteção ao DIP será assegurada. Além disso, faltam-nos determinadas regras procedimentais que tratam de como o pedido de autorização do DIP é endereçado ao juiz e, sobretudo, regras que confiram estabilidade à decisão de autorização do DIP. Os norte-americanos possuem essas regras na Rule 4001(c) do Federal Rules of Bankruptcy Procedure, também intitulado “obtaining credit”.
Com o grande número de novos casos relevantes de recuperação judicial nesses tempos de crise, apresenta-se ao ambiente institucional brasileiro excelente oportunidade para os nossos Tribunais consolidarem essas regras, assegurando a investidores a segurança necessária ao desenvolvimento de um mercado de financiamento de empresas em recuperação judicial.
Por Veirano Advogados.